O triste papel do acusador (por Vladimir de Mattos)

0
578

O TRISTE PAPEL DO ACUSADOR

No curso da história, o acusador sempre teve papel de destaque.

No entanto, o papel do acusador nunca deixou de ser triste e muito mais “cobrado” que os outros, visto que, para o exercício da acusação, sempre é preciso ter uma certa dosagem de ira e rancor, apelidada por alguns como simplesmente “desejo de justiça”…

Dante Alighieri, na primeira parte da “Divina Comédia”, mais precisamente o denominado “Inferno”, ao descrever rica e detalhadamente os famosos “Nove Círculos do Inferno”, reservou aos acusadores nada menos que o chamado “Quinto Círculo – Rio Esfige”, que, resumidamente, é assim apresentado:

“Na entrada para este círculo está uma cachoeira de água e sangue borbulhante e fervente cuja água era mais escura que roxa. A água desce algumas praias e forma um lago que se chama Estige, onde estão amontoados os acusados de ira, que estão juntos batendo-se e torturando-se numa raiva sem fim. No fundo do Estige estão os rancorosos que nunca demonstraram sua ira; eles não podem subir à superfície e ficam na lama do fundo do rio, soltando as bolhas que se veem na superfície. Flégias, que incendiou o templo de Apolo por este ter violado sua filha,vêm fazendo com sua barca a travessia do rio Estige. Quando Dante e Virgílio fazem a travessia, Filipe Argenti, um nobre florentino, se agarra ao barco e fala com Dante, sendo depois puxado para o pântano pelos seus companheiros. É descrito no final do Canto 7, continua no Canto 8 com a chegada de Flégias, sua descrição acaba na metade do canto 8.”

Desde a antiguidade, sempre foi mais fácil acusar que defender alguém pelo cometimento de algum erro, crime ou pecado.

Na época de Jesus Cristo, por exemplo, coube a Pôncio Pilatos – que fazia o papel de acusador e juiz perante o direito romano – acusá-lo politicamente de “rebelião”, delito que, à época, levava à pena capital.

Zagrebelsky (2011, p. 85) assim relata:

“Mas aos membros do Sinédrio era necessário o envolvimento de Pilatos, seja porque eles não tinham o poder de mandar Jesus à morte, seja porque para eles o aval da autoridade romana fosse essencial por motivos de política interna por causa do temor de uma rebelião em ocasião da Páscoa. A aliança com a força romana era indispensável em ambos os casos. Portanto, para este fim, era necessário uma acusação diferente, que deslocasse o assunto do plano teológico para um plano politico, relevante para os romanos. Assim, Jesus foi acusado de ter instigado o povo à revolta incitando-o a não pagar tributos a Cesar, e de ter-se, ele mesmo, proclamado rei: era um crimen laesae majestati.”

Recentemente, mais precisamente em meados do ano de 2014, surgiu no Brasil uma espécie de “messias” chamado Sérgio Moro, um juiz implacável que mandou para a cadeia ninguém menos que o ex-presidente Lula e vários outros “engravatados” e “homens do colarinho branco” por suspeita de corrupção, peculato, etc. (nomes poéticos dados ao roubo de dinheiro público).

O povo aplaudiu, comemorou, desfilou pelas ruas do país clamando por mais justiça, etc. Integrantes de uma certa matriz religiosa chegaram a acoimar o corajoso juiz de “a nova reencarnação do espírito Emmanuel” (sic).

Após algum tempo, descobriu-se que esse tal juiz também errara, pois “acumulou”, sem previsão legal, o papel de acusador e juiz.

E a exemplo do processo sofrido por Jesus Cristo, que também fora preso para “manter a ordem”, os processos de Lula estão sendo todos anulados pelo mesmo motivo, ou seja, ILEGALIDADES PROCESSUAIS.

Hoje, estamos vivenciando uma verdadeira caçada a um “monstro” chamado Lázaro, que, a despeito de nutrir o ódio mortal de quase toda uma nação (?), está dando um verdadeiro baile em quase 500 policiais que estão à sua procura diuturnamente. Quais as ilegalidades processuais que serão (ou já estão sendo) cometidas nesse caso? Apenas o tempo nos dirá…

E o que tudo isso quer dizer, indaga o caro leitor?!?

Quer dizer que para fazer o papel de acusador é preciso ter, dentre outras, responsabilidade, ética e PROFISSIONALISMO.

Profissionalismo sim, pois acusar não é e nunca foi, definitivamente, um papel de amadores, pois, para muito além de “jogar para a plateia”, é preciso saber e dominar a arte da acusação, principalmente quando ela se reveste de caráter político, a exemplo dos casos acima citados.

Ah, também não podemos nos esquecer de dois outros “requisitos” imprescindíveis para ser um bom acusador, a saber:

  • CULHÃO para enfrentar críticas quando eventualmente errar, pois de ninguém nunca foi escondida a máxima de que, quando apontamos o dedo indicador para acusar alguém, outros três ficam apontados para nós mesmos; logo, a “conta” a ser cobrada dos acusadores é sempre maior que a dos demais;
  • SABER PERDER, pois, embora perder não seja nada bom, saber perder é, no mínimo, inteligente; do contrário, resta apenas choro e “mimimi”.

A propósito, o ex-juiz Sérgio Moro sumiu, Pôncio Pilatos ninguém mais viu e quem julgará Lázaro (se ele for pego vivo) ninguém sabe!

Finalmente, se depois de tudo isso você ainda quiser fazer o papel de acusador, estude bastante e o faça profissionalmente, sob pena de cair no descrédito popular e ser duramente julgado pelos seus atos, pois as mesmas pedras que um dia atingiram a quem você acusou, muito provavelmente o atingirão em não muito tempo.

vladimirdemattos@hotmail.com