Em meio à pandemia da Covid-19, Ministério Público recomenda à SAP que transferências de presos sejam suspensas ou limitadas

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Orientações foram listadas após agentes penitenciários demonstrarem preocupação com a movimentação de detentos da capital paulista para o interior.

Uma recomendação do Ministério Público Estadual (MPE), por meio da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, Área de Inclusão Social, lista diversas medidas a serem tomadas nas unidades prisionais do Estado de São Paulo pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), entre elas a limitação ou suspensão de transferência, remoção ou recâmbio de detentos entre estabelecimentos do sistema penitenciário.

O rol de orientações foi criado após promotores de Justiça da região de Presidente Prudente (SP) saberem, por meio de uma representação do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), que, diante da pandemia da Covid-19, a SAP manteve o deslocamento de presos entre presídios de variadas regiões, inclusive da capital para cidades do interior do Estado.

Na representação recebida pela Promotoria, é relatado que há inúmeras reclamações de agentes penitenciários que trabalham na região abrangida pela Coordenadoria dos Presídios da Região Oeste do Estado (Croeste) no sentido de que “a Secretaria da Administração Penitenciária continua determinando a remoção e trânsito de presos da capital para o interior normalmente, em que pese a restrição de trânsito de pessoas em todo Estado”.

“É sabido que com a pandemia da Covid-19 qualquer transferência ou remoção de presos deve ser realizada em caráter excepcional”, aponta um trecho da recomendação.

No entanto, foi informado aos promotores de Justiça que 50 presos foram transferidos de penitenciárias da capital paulista para uma unidade de Ribeirão Preto (SP) e que dezenas de detentos também teriam sido transferidos da capital para a Penitenciária de Martinópolis (SP).

“A preocupação trazida pelos diligentes Promotores de Justiça mostra-se pertinente e fortemente embasada nas indispensáveis e relevantes medidas adotadas em todo país para mitigar a disseminação do coronavírus. Afinal, há, neste momento da história brasileira, alguns fatos notórios que dispensam demonstração ou aprofundada argumentação, a saber:

  • A pandemia do coronavírus, em rápido e voraz processo de expansão do contágio, atingindo ou ameaçando a totalidade da população brasileira.
  • A convicção – extraída da observação do que já aconteceu nos demais países atingidos pela pandemia, mas também dos estudos científicos da medicina – que é essencial no enfrentamento do crescente contágio o radical e severo isolamento das pessoas, cessando inteiramente atividades econômicas não essenciais, escolares, de lazer, de eventos artísticos, culturais e esportivos e de quaisquer outras atividades que resultem em aglomeração e circulação de pessoas.
  • O contágio do vírus dá-se pelo contato entre as pessoas.
  • A existência prévia de deficiências no sistema imunológico e doenças preexistentes ampliam o risco de agravamento da saúde e de óbito.
  • A população carcerária, seja por conta do relevante percentual de pessoas com doenças variadas (notadamente pulmonares), seja pela inevitável proximidade cotidiana no interior das celas e demais dependências dos estabelecimentos prisionais constitui-se num dos segmentos populacionais de maior risco.
  • A movimentação excessiva dessas pessoas entre várias regiões do Estado poderá ampliar o risco de contágio para a população como um todo, na medida em que facilitará a transmissão e o deslocamento do vírus.
  • O sistema de saúde, público e privado, tende a não dar conta de atender às necessidades que advirão do maciço contágio, deixando a população carcerária em situação de gravíssima desassistência se mantidas as atuais estruturas de atendimento à saúde do sistema prisional.
  • Os trabalhadores do sistema prisional estão submetidos a elevados riscos de contágio por conta do convívio cotidiano com a população carcerária e se transformam em importantes vetores de transmissão ao se deslocarem às suas residências e aos seus espaços comunitários de convívio social”.

Diante do cenário, a Promotoria de Justiça coloca que “cabe ao Estado adotar todas as providências possíveis para evitar ou, se não, mitigar os impactos dessa grave situação sobre a população, voltando os esforços especialmente à população carcerária e aos trabalhadores do sistema prisional”.

“Nesta Recomendação, cuida-se tão somente de se se garantir a adoção, pela Secretaria de Administração Penitenciária, de medidas preventivas e cautelares voltadas a reduzir os elevados riscos de contágio pelo coronavírus no âmbito do sistema prisional paulista”, diz o documento.

Veja na íntegra as recomendações:

I. A elaboração e implantação de um plano de contingências que preveja, minimamente, as seguintes medidas:

  • realização de campanhas informativas acerca da Covid-19, ações de educação em saúde e medidas de prevenção e tratamento para agentes públicos, pessoas privadas de liberdade, visitantes e todos os que necessitam adentrar nos estabelecimentos prisionais;
  • procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas entradas de unidades prisionais, com vistas à identificação prévia de pessoas suspeitas de diagnóstico de Covid-19 e prevenção do contato com a população presa ou internada; a
  • adoção de medidas preventivas de higiene, tais como aumento da frequência de limpeza de todos os espaços de circulação e permanência das pessoas custodiadas e privadas de liberdade, com atenção especial para higienização de estruturas metálicas, viaturas de transporte e algemas, instalação de dispensadores de álcool gel nas áreas de circulação, entre outros;
  • abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação e itens básicos de higiene pela Administração Pública e a ampliação do rol de itens permitidos e do quantitativo máximo de entrada autorizada de medicamentos, alimentos e materiais de limpeza e higiene fornecidos por familiares e visitantes (deixados na entrada do estabelecimento ou entregues aos agentes penitenciários, à vista da proibição de visitas);
  • fornecimento ininterrupto de água para as pessoas privadas de liberdade e agentes públicos das unidades ou, na impossibilidade de fazê-lo, ampliação do fornecimento ao máximo da capacidade instalada;
  • adoção de providências para evitar o transporte compartilhado de pessoas privadas de liberdade, garantindo-se manutenção de distância respiratória mínima e a salubridade do veículo;
  • designação de equipes médicas em todos os estabelecimentos penais ou socioeducativos para a realização de acolhimento, triagem, exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação, referenciamento para unidade de saúde de referência e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos, observando-se o protocolo determinado pela autoridade sanitária;
  • fornecimento de equipamentos de proteção individual para os agentes públicos da administração penitenciária e socioeducativa;
  • planejamento preventivo para as hipóteses de agentes públicos com suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19, de modo a promover o seu afastamento e substituição, considerando-se a possibilidade de revisão de escalas e adoção de regime de plantão diferenciado.

II. Adotar procedimento ou protocolo de atuação para os casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 no âmbito do sistema prisional, adotando-se as seguintes providências:

  • separação de pessoas que apresentar sintomas envolvendo tosse seca, dor de garganta, mialgia, cefaleia e prostração, dificuldade para respirar, batimento das asas nasais ou febre, ou que teve contato próximo de caso suspeito ou confirmado de infecção pelo vírus, bem como o encaminhamento imediato para implementação de protocolo de tratamento de saúde previsto pelo Ministério da Saúde para os casos suspeitos de Covid-19 e sua imediata notificação, pela direção do estabelecimento prisional, à Secretaria de Administração Penitenciaria, que notificará a respectiva Secretaria Municipal de Saúde;
  • encaminhamento imediato para tratamento em unidade de saúde de referência das pessoas que apresentem dificuldades respiratórias graves associadas à Covid-19;
  • comunicação imediata ao juízo competente para avaliar a substituição da prisão em regime fechado por medida não privativa de liberdade, particularmente na ausência de espaço de isolamento adequado ou de equipe de saúde;
  • prestação de esclarecimento às pessoas privadas de liberdade, bem como aos seus familiares e defensores, em respeito ao pleno direito à informação, sobre as providências adotadas em virtude de suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19;
  • prestação de imediatas informações à Promotoria de Justiça de Execuções Criminais do território, dos casos de suspeita ou confirmação de diagnóstico do Covid-19 de pessoas privadas de liberdade.

III. Observância das medidas mínimas contempladas no Plano de Contingências acima mencionado, em especial e também as seguintes:

  • submissão, sem demora, da população carcerária à vacinação contra a gripe H1N1, nas próprias unidades prisionais;
  • separação imediata dos presos novos, que ingressarem no estabelecimento prisional por força de prisão em flagrante, preventiva ou temporária, bem como em decorrência de transferências;
  • capacitação dos agentes de segurança e dos presos responsáveis pela comunicação entre a população carcerária e a administração prisional (conhecidos como “faxinas”) para que saibam identificar os sintomas aparentes do coronavírus;
  • manutenção, em cada unidade prisional, de enfermaria suficientemente dotada de insumos, medicamentos e equipamentos mínimos, inclusive oxímetro, para atuação das equipes de saúde;
  • manutenção, em cada unidade prisional, durante 24 horas, de profissional de saúde habilitado a atender às exigências de prevenção da pandemia de coronavírus, especialmente para a coleta de material para realização de exame de diagnóstico;
  • criação de áreas específicas para isolamento de presos acometidos de sintomas gripais, no mesmo complexo arquitetônico se possível, promovendo-se o isolamento assim que surgirem tais sintomas; -isolamento de presos maiores de sessenta anos ou com doenças crônicas;
  • suspensão das atividades educacionais, de trabalho, assistência religiosa ou qualquer outra que envolva aglomeração e proximidade entre os presos;
  • adoção de meios e procedimentos carcerários para assepsia diária das celas, com utilização de desinfetantes ou similares;
  • promoção de campanhas educacionais e de conscientização sobre os meios de prevenção da doença, envolvendo servidores, visitantes e os privados de liberdade;
  • ampliação do tempo diário do procedimento de banho de sol, caso haja possibilidade, assegurando-se que o procedimento se dê de modo escalonado, evitando-se aglomerações;
  • suspensão de férias e licenças de servidores do sistema prisional pelos próximos noventa dias.

IV. Limitação ou suspensão das transferências, remoções ou recâmbios de pessoa presas entre unidades do sistema prisional, realizando-as apenas em caso de extrema necessidade, na gestão dos presos, de modo a evitar superlotação e garantir as necessárias apartações entre presos.

Na hipótese de remoção ou transferência necessária, adotar, no mínimo, as seguintes providências:

  • entrega e exigência de uso de equipamentos de proteção individual aos agentes penitenciários e funcionários responsáveis pela escolta e transporte, bem como aos presos que serão transportados;
  • submissão dos presos a exame clínico pelas equipes de saúde dos presídios, tanto na saída, como na chegada;
  • disponibilização de álcool em gel durante o transporte;
  • higienização minuciosa da viatura, antes e depois do transporte;
  • transporte de no máximo dois presos por viatura de modelo camburão e de no máximo um preso por viatura de modelo automóvel; em caso de viaturas de grande porte, em quantidades que garantam amplo espaço entre os presos.

O Ministério Público Estadual ainda solicitou que, em cinco dias, a SAP deve demonstrar, por meio de mensagem eletrônica (devido ao vigente regime de teletrabalho) a adoção das providências destinadas a atender à recomendação e à sua divulgação.

G1 solicitou um posicionamento da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo sobre o assunto, mas ainda não obteve um retorno.

Fonte: G1