DITADURA MILITAR: 21 anos de atraso (por Vladimir de Mattos)

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DITADURA MILITAR: 21 ANOS DE ATRASO

Muito se fala sobre as motivações para o Golpe de 64 no Brasil, suas pretensas razões e até mesmo tentam justificar a sua necessidade, a censura, a tortura e o assassinato de seus opositores.

No entanto, superados esses pontos polêmicos, é de se observar que pouco se explora outros temas ligados à ditadura militar brasileira, especialmente os que se referem à economia, educação, saúde, segurança pública, qualidade de vida e corrupção.

E é justamente sobre esses temas que o presente artigo se propõe a discutir.

ECONOMIA:

A maior recessão da história brasileira (empatada com a recente) ocorreu de 1981 a 1983, sendo que a crise dos anos 80 foi consequência direta da pujança irresponsável dos anos 70.

Os governos Médici (1969-1974) e Geisel (1974-1979) contraíram uma dívida externa enorme para facilitar o crescimento acelerado e, na tentativa de pagá-la, o governo Figueiredo (1979-1985) travou a economia, sendo que essa forte contração foi responsável pela forte queda das importações e elevação do influxo de dólares.

A dívida externa, que em 1964 era de US$ 3,3 bilhões, passou a ser de US$ 102,2 bilhões em 1984.

Apesar do esforço, o Brasil acabou dando calote e, caindo no colo do FMI, e, para piorar, a crise acelerou a inflação, batendo em 235% (IGP) no ano em que Figueiredo deixou a presidência e o Brasil de joelhos.

EDUCAÇÃO:

O forte declínio da educação no Brasil durante a ditadura militar se deu, em grande parte, em razão dos acordos MEC/USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), que, ao invés de problematizarem a educação em todos os níveis de ensino, visando explicitar as verdadeiras necessidades da população, preferiram apenas fortalecer a elitização do ensino, que há muitos anos vinha se perpetuando na história do Brasil.

No ano de 1965, o então Ministro da Educação Raymundo Moniz de Aragão entregou a responsabilidade de “reformular” a estrutura da universidade brasileira a um grupo de especialistas norte-americanos. A partir daí, segue-se uma sucessão de acordos entre o MEC e a USAID por intermédio da AID (Agência para o Desenvolvimento Internacional) realizados de forma sigilosa, já que a população só tomou conhecimento dos acordos em 1966.

Percebe-se que a introdução da tendência tecnicista no Brasil em meio à ditadura militar deteriorou o sistema educacional como um todo e “prejudicou, sobretudo as escolas públicas, uma vez que nas boas escolas particulares essas exigências eram contornadas.” (ARANHA, 2006, p. 315).

Na área de alfabetização, a grande aposta era o Mobral (Movimento Brasileiro para Alfabetização), uma resposta do regime militar ao método elaborado pelo educador Paulo Freire, que ajudou a erradicar o analfabetismo no mundo na mesma época em que foi considerado “subversivo” pelo governo e exilado. Segundo o estudo “Mapa do Analfabetismo no Brasil”, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do Ministério da Educação, o Mobral foi um “retumbante fracasso.”.

SAÚDE:

Se a saúde pública hoje está longe do ideal, ela ainda era mais restrita nos idos da ditadura militar.

O INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável pelo atendimento com seus hospitais, mas era exclusivo aos trabalhadores formais. Somente após 1988 é que foi adotado o SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende a quase toda a população brasileira.

Em 1976, quase 98% das internações eram feitas em hospitais privados. Além disso, o modelo hospitalar adotado fez com a que a assistência primária fosse relegada a um segundo plano.

Não existiam planos de saúde, e o saneamento básico chegava a poucas localidades.

As doenças infectocontagiosas, como tuberculose, eram fonte de constante preocupação dos médicos.

 Segundo estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), “entre 1965/1970 reduz-se significativamente a velocidade da queda [da mortalidade infantil], refletindo, por certo, a crise social econômica vivenciada pelo país”.

Em resumo, a saúde pública foi um dos pontos mais negativos durante a época da ditadura militar.

SEGURANÇA PÚBLICA E VIOLÊNCIA:

Os dados nos dizem que o Brasil ficou mais violento durante a ditadura.

Segundo artigo publicado pela Revista Brasileira de Epidemiologia, a taxa de homicídios na cidade de São Paulo aumentou de 6 por 100 mil em 1960 para 11 em 1970, 19 em 1980 e 36 em 1985 (hoje ela é de 10).

Ou seja, no que toca ao crime de homicídio, São Paulo é mais segura atualmente do que nos anos da ditadura militar.

O crescimento dos homicídios no Rio de Janeiro foi ainda mais rápido e, de acordo com pesquisa da Fiocruz, bateu 41 por 100 mil em 1985, patamar acima do atual.

Os governos militares foram responsáveis indiretos pela violência. O golpe de 1964 suspendeu um programa de reforma agrária que poderia ter minorado o forte êxodo rural do período, visto que o surto de criminalidade dos anos 70 e 80 ocorreu em cidades inchadas, mal planejadas e desiguais – um legado da ditadura.

QUALIDADE DE VIDA:

Durante a ditadura militar brasileira, o “bolo” cresceu, mas não foi dividido.

Aliás, foi injustamente dividido.

A distribuição de renda entre os estratos sociais ficou mais polarizada durante o regime: os 10% dos mais ricos que tinham 38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em 1980. Já os mais pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960, decaíram para 12% duas décadas depois.

Entre 1968 e 1973, o Brasil cresceu acima de 10% ao ano. Mas, em contrapartida, o salário mínimo –que vinha recuperando o poder de compra nos anos 1960– perdeu com o golpe.

Em 1974, em pleno ‘milagre’, o poder de compra dele representava a metade do que era em 1960.

Em valores corrigidos até 2015 (IGP-DI/FGV), o salário-mínimo que em 1964 equivalia a R$ 1.358,25, em 1984 valia o equivalente à metade, ou seja, R$ 759,18.

A inflação, quem em 1964 era de R$ 85,6%, passou a 178,6% em 1984.

CORRUPÇÃO:

O regime militar foi, de longe, o berço da corrupção entre grandes empreiteiras e agentes públicos.

A forte vinculação da Odebrecht com a Petrobras, por exemplo, vem da década de 1950, mas se consolidou no período da ditadura. O crescimento da Odebrecht, que passou de 19ª empresa de maior faturamento em 1971 para a 3ª colocação, em 1973, foi impulsionado nesses anos do “milagre econômico”. O mesmo ocorreu com outras empreiteiras, como Andrade e Gutierrez, Mendes Júnior e Camargo Corrêa. A forte vinculação com o Estado, que as encarregava de tocar as grandes obras de infraestrutura da época, possibilitou essa ascensão.

Em 17 de abril de 1979, Norberto Odebrecht sentou-se num banco de CPI, no Senado, para se defender de denúncias de desvio de verbas, superfaturamento e favorecimento nas obras do complexo nuclear de Angra —um negócio iniciado em 1972 sob o governo do general Emílio Médici.

Por concorrência, a Odebrecht havia sido contratada em 1972 para construir a usina nuclear de Angra I. Quatro anos depois, em 1976, o governo contratou a mesma Odebrecht para erguer as usinas de Angra II e Angra III, dessa vez sem o inconveniente da licitação.

De 1972 a 1974, a Construtora Norberto Odebrecht não se desincumbia satisfatoriamente de sua tarefa. Documentos oficiais atestavam “incapacidade técnica” e “dificuldades financeiras” da empreiteira. O problema financeiro foi resolvido com a antecipação de pagamentos à construtora e a debilidade técnica foi contornada com a troca do comando da equipe.

A operação resultou em atrasos no cronograma da obra, o que não impediram o governo militar de prover à Odebrecht dinheiro extra e antecipado.

O superfaturamento das usinas nucleares de Angra é escandaloso: inicialmente orçadas em algumas centenas de milhões de dólares americanos, o pais já gastou, em três décadas, mais de US$ 45 bilhões e só concluiu duas centrais.

A ponte Rio-Niterói é outro exemplo de corrupção escandalosa da ditadura militar: o custo da ponte, ao final da obra, ficou em torno de Crz$ 800 milhões, quase quatro vezes mais do que o valor do primeiro contrato. A escalada dos custos colou em Andreazza suspeitas de favorecer empreiteiras, fama que jamais o abandonaria. Nada, porém, foi capaz de abalar seu prestígio junto ao governo militar. Coube a ele, na pomposa inauguração do dia 4 de março de 1974, os privilégios de atravessar a obra no Rolls-Royce presidencial, ao lado de Médici, e de fazer o único discurso da solenidade, no qual chamou a data de “divisor entre o Brasil adolescente e o Brasil amadurecido”.

Sacramentou-se naquele momento o casamento entre corruptos e corruptores no Brasil – leia-se empreiteiras e ditadores militares –, que, infelizmente, parece ter-se perpetuado até os dias de hoje.

A ditadura militar criou uma tal de “Comissão Geral de Investigações” (CGI), um organismo elaborado após o AI-5 com o objetivo “oficial” de combater a corrupção. Foi a responsável por cerca de 3 mil processos, mas seus procedimentos eram secretos. Além disso, se houvesse suspeitas contra militares, seus casos não iam para a CGI – eram remetidos a comissões de investigação próprias das Forças Armadas, e não se tem se tem conhecimento sobre o andamento dos processos ou suas conclusões.

Em resumo, a corrupção, as negociatas e as formações de quadrilhas corriam soltas e nenhum militar foi punido por isso, ao menos oficialmente. Ao contrário, jornalistas que ousaram investigar os casos de corrupção foram perseguidos, presos e até mesmo assassinados.

Afora os casos emblemáticos acima citados, muitos outros escândalos de corrupção ocorreram durante a ditadura militar brasileira, a saber:

  • Contrabando na Polícia do Exército: A partir de 1970, dentro da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, sargentos, capitães e cabos começaram a se relacionar com o contrabando carioca;
  • A Vida Dupla do Delegado Fleury: Fleury era ligado a criminosos comuns, segundo o MP, se associando ao tráfico e fornecendo serviço de proteção ao traficante José Iglesias, o “Juca”, na guerra de quadrilhas paulistanas;
  • Governadores Biônicos Corruptos: Em 1970, uma avaliação feita pelo SNI ajudou a determinar quais seriam os governadores do Estado indicados pelo presidente Médici (1969-1974). No Paraná, Haroldo Leon Peres foi escolhido após ser elogiado pela postura favorável ao regime; um ano depois, foi pego extorquindo um empreiteiro em US$ 1 milhão e obrigado a renunciar;
  • O Caso Luftalla: Outro governador envolvido em denúncias foi o paulista Paulo Maluf. Dois anos antes de assumir o Estado, em 1979, ele foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) quando estava em processo de falência. As denúncias envolviam também o ministro do Planejamento Reis Velloso, que negou as irregularidades, e terminou sem punições;
  • Delfim e a Camargo Correa: Delfim Netto – ministro da Fazenda durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici, embaixador brasileiro na França no governo Geisel e ministro da Agricultura (depois Planejamento) no governo Figueiredo – sofreu algumas acusações de corrupção. Na primeira delas, em 1974, foi acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do SNI), em conversas reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria beneficiado a empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da hidrelétrica de Água Vermelha (MG). Anos depois, como embaixador, foi acusado pelo francês Jacques de la Broissia de ter prejudicado seu banco, o Crédit Commercial de France, que teria se recusado a fornecer US$ 60 milhões para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra também executada pela Camargo Corrêa;
  • As Comissões da General Electric: Durante um processo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 1976, o presidente da General Electric no Brasil, Gerald Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão a alguns funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede Ferroviária Federal, segundo noticiou a “Folha de S.Paulo” na época. Em 1969, a Junta Militar que sucedeu a Costa e Silva e precedeu Médici havia aprovado um decreto-lei que destinava “fundos especiais” para a compra de 180 locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no Brasil na época era Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente, morto naquele mesmo ano de 1969. Na investigação de 1976, o Cade apurava a formação de um cartel de multinacionais no Brasil e o pagamento de subornos e comissões a autoridades para a obtenção de contratos;
  • Newton Cruz, O Caso Capemi e o Dossiê Baumgarten: O jornalista Alexandre von Baumgarten, colaborador do SNI, foi assassinado em 1982, pouco depois de publicar um dossiê acusando o general Newton Cruz de planejar sua morte – segundo o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra, em declaração de 2012, a ordem partiu do próprio SNI. A morte do jornalista teria ligação com seu conhecimento sobre as denúncias envolvendo Cruz e outros agentes do Serviço no escândalo da Agropecuária Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para comercializar a madeira da região do futuro lago de Tucuruí. Pelo menos US$ 10 milhões teriam sido desviados para beneficiar agentes do SNI no início da década de 1980;
  • O Caso Coroa-Brastel: Delfim Netto sofreria uma terceira acusação direta de corrupção, dessa vez como ministro do Planejamento, ao lado de Ernane Galvêas, ministro da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo a acusação apresentada em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo Sepúlveda Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos por meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim, dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em 1994, e a acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era de “iniciativa política” – não chegou a ser examinada;
  • O Grupo Delfin: Denúncia feita pela “Folha de S.Paulo” de dezembro de 1982 apontou que o Grupo Delfin, empresa privada de crédito imobiliário, foi beneficiado pelo governo por meio do Banco Nacional da Habitação ao obter Cr$ 70 bilhões para abater parte dos Cr$ 82 bilhões devidos ao banco. Segundo a reportagem, o valor total dos terrenos usados para a quitação era de apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia, clientes do grupo retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco depois. A denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior), Delfim Netto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda), que chegaram a ser acusados judicialmente por causa do acordo);
  • Obras Faraônicas: Várias outras obras faraônicas construídas durante o período da ditadura militar também foram marcadas por escândalos de corrupção e morte de milhares de índios, a exemplo das hidrelétricas Itaipu Binacional, Tucuruí, Ilha Solteira e Jupiá, além da Transamazônica, Perimetral Norte, rede de metrô nas grandes capitais, etc.

Em resumo, se hoje, em pleno ano de 2021, com TODOS os órgãos de controle existentes (Ministério Público de Contas, Tribunal de Contas da União, Tribunais de Contas Estaduais, Tribunais de Contas Municipais, Ministérios Públicos Estaduais, Ministério Público Federal, Controladorias da União, dos Estados e dos Municípios, ONGs de controle dos gastos públicos, sociedade civil organizada, partidos políticos e cidadãos em geral, etc.), a corrupção grassa pelo país, imagine o eleitor a farra que era naquela época!

Finalmente – e infelizmente –, é triste e doloroso concluir que, diante das informações trazidas a lume, é certo que muitos dos atuais problemas endêmicos que assolam o Brasil têm raízes profundas nos 21 anos da ditadura militar que tanto nos atrasou como nação perante o resto do mundo civilizado.

Fontes: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/as-mazelas-educacao-brasileira-heranca-regime-milita.htm; https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/atualidades-vestibular/o-legado-de-problemas-da-ditadura-militar-no-brasil/; https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/03/22/10-motivos-para-nao-ter-saudades-da-ditadura.htm; https://economia.estadao.com.br/blogs/mosaico-de-economia/o-regime-militar-nao-foi-bom-para-o-brasil/;  https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/04/22/corrupcao-ronda-a-odebrecht-desde-a-ditadura/; https://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/ponte-rio-niteroi.html?mobi=1; https://historiahoje.com/a-corrupcao-nos-governos-militares/; https://super.abril.com.br/historia/ditadura-militar-enriqueceu-grandes-empreiteiras/; https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/cercada-de-polemica-usina-nuclear-angra-1-construida-na-ditadura-militar-16997174; https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/04/01/conheca-dez-historias-de-corrupcao-durante-a-ditadura-militar.htm; https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/cercada-de-polemica-usina-nuclear-angra-1-construida-na-ditadura-militar-16997174#ixzz6qavNMtLU; https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38337544;
vladimirdemattos@hotmail.com