Embriaguez: caso de Polícia ou de Saúde?

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“A embriaguez excita e traz à luz todos os vícios, tirando aquele senso de
pudor que constitui um travão aos instintos ruins.” Sêneca

André Luís Luengo1

A embriaguez é tão complexa que até a sua ortografia nos traz
dificuldade. Ela se escreve com “z” e não com “s”.
Ela é considerada como a ingestão de álcool ou substancias
psicoativas de forma descomedida, ocasionando uma intoxicação que altera o
comportamento da pessoa.
A saúde a classifica como uma doença (CID) nº. 10:
[…]como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao
consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada,
quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer
que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a
hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas
adquiridas (OMS, 2013).
No ordenamento jurídico, o legislador prevê no § 1º. do art. 28, do
Código Penal que:
“É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,
proveniente de caso fortuito ou de força maior, era, ao tempo da ação
ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”
Inegável que a embriaguez causa transtornos no comportamento das
pessoas que manifestam atitudes aptas a alterar até o seu estado mental
tornando-as agressivas, acometidas de acessos de raiva, delírios
sistematizados com tendência para as ideias de autoacusação.
Há casos até de demência alcoólica com a perturbação da saúde
mental, passando a pessoa a se tornar um inimputável (não punido com pena
devido a moléstia apta a torna-lo irresponsável).

1

O autor é Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Professor da Academia de Polícia Civil e
Professor Universitário. Contato: luengo.garra@hotmail.com
Verdadeiramente é uma tristeza a vida do alcoolista e daqueles que
convivem com ele, seja na família, no trabalho ou na sociedade.
O Estado pune a embriaguez em vários tipos penais. Talvez o mais
conhecido seja a embriaguez ao volante prevista no art. 306 do Código de
Trânsito Brasileiro (Lei nº. 9.503/97): “Conduzir veículo automotor com
capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra
substância psicoativa que determine dependência”, com pena de prisão
(detenção) de seis meses a três anos, além de multa e da suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
Mas há também caso de “qualificar a pena” como no homicídio e na
lesão corporal culposa, quando o condutor estiver embriagado.
Ainda temos as autuações (multas de trânsito) previstas nos artigos
165, 165-A e 166, consideradas como infrações gravíssimas.
Na condição de Contravenção Penal (Decreto-Lei nº. 3.688, de 03 de
outubro de 1941) a embriaguez vem prevista em dois momentos: “apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou
ponha em perigo a segurança própria ou alheia”, punida pelo art. 62 com a
pena de prisão simples de 15 dias a 03 meses ou multa e como o ato de “servir
bebidas alcoólicas a menor de 18 anos, a quem se acha em estado de
embriaguez, a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais e a
pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de frequentar lugares
onde se consome bebida de tal natureza”, constante do art. 63, com pena
também de prisão simples de 02 meses a 01 ano ou multa.
Isto é, além do ébrio estar se intoxicando com uma droga, ainda que
lícita, sofrendo uma dependência cognitiva e fisiológica, se tornando um
verdadeiro demente alcoólico, poderá ainda sofrer as responsabilizações
previstas na legislação.
Na verdade, a embriaguez é um caso que merece toda a nossa atenção e cuidado. O alcoólatra deve sim ser tratado e considerado como um caso de saúde.
Mas deve ter a consciência, daquilo que no direito a teoria define como
actio libera in causa, pois é muito provável que irá suportar as
responsabilizações devido ao seu comportamento ilícito.
A embriaguez é proveniente do uso de uma droga lícita. Assim
cuidemos dos nossos drogados lícitos e nos cuidemos também.