BRASÍLIA E RIO — A Caixa Econômica Federal vai anunciar, na semana que vem, uma nova modalidade de financiamento habitacional , que altera a estrutura do crédito imobiliário no país, cuja base é a Taxa Referencial ( TR ), atualmente zerada. Na nova modalidade, a TR será substituída pelo índice oficial de inflação, o IPCA , mais uma taxa que deve ficar entre 3% e 4% ao ano, conforme antecipado pela Folha de S.Paulo. Além disso, os recursos virão do mercado.
Como a inflação hoje é de 3,37% (dado de junho, em 12 meses), a taxa para o tomador poderá ficar entre 6,4% e 7,4% ao ano. São percentuais inferiores aos cobrados no programa Minha Casa Minha Vida, nas faixas de maior renda.
Os detalhes ainda estão sendo fechados, mas o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, defende que a nova modalidade trará o menor percentual possível para os mutuários. Atualmente, as taxas mais em conta do empréstimo da casa própria variam entre 8,5% e 9,75% ao ano. No Minha Casa Minha Vida, variam entre 5% a 8,47% ao ano.
Sem recursos públicos
Não haverá dinheiro público nas novas operações. Os recursos virão do mercado, via emissão de Letra Imobiliária Garantida (LIG). Isento de imposto, este papel rende o equivalente a um título do Tesouro Direto (NTN-B) de longo prazo, também corrigido pela inflação mais juros semestrais, algo em torno de 3%. A Caixa quer usar a liderança no setor para captar recursos com um custo menor e, assim, reduzir um pouco mais suas taxas.
O objetivo é ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento, como a poupança e o FGTS, com a vantagem de que os recursos são ilimitados e poderão ser acessados por todos os tipos de tomadores. Além disso, a Caixa teria a possibilidade de securitizar, isto é, oferecer ao mercado, as novas carteiras. Hoje, com a TR, não há interesse dos investidores.
— Quando a economia começar a reagir, o mercado não ficará preso às piscinas tradicionais, como poupança e FGTS, que têm orçamento limitado — diz o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França.
Ele lembra que, há alguns anos, houve escassez de recursos para o crédito imobiliário porque os saques da poupança cresceram muito. Foi preciso criar uma linha especial no FGTS, a fim de não paralisar os empréstimos para a classe média.
Para o consultor José Urbano Duarte, a nova modalidade tem potencial para mudar a estrutura do mercado de crédito imobiliário. Segundo ele, isso permitiria ciclos de retorno de financiamento mais curtos para os bancos. Além disso, a investida da Caixa poderá estimular outras instituições financeiras a fazerem o mesmo.
Duarte explica que o mercado tem apetite pelo recebível atrelado ao IPCA e, com a venda das carteiras, será possível antecipar o fluxo de 20 anos para dois ou três, retornando então para novos empréstimos. Em 2018, foram financiadas 670 mil unidades, somando R$ 104 bilhões. A estimativa do setor é que, com a nova modalidade, será possível dobrar a quantidade de moradias, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Sérgio Cano, professor do MBA de gestão de negócios e incorporação imobiliária da FGV, defende a substituição da TR por uma taxa de mercado, como a inflação:
— Usar a TR restringe o crédito no mercado imobiliário, porque muitas empresas e fundos que poderiam estar injetando recursos neste setor não o fazem. O momento é propício, com a inflação sob controle e tendência de queda das taxas de juros. A medida pode aumentar a concorrência e ampliar a oferta de crédito, o que pode baixar os juros.
Risco da inflação
Há o risco, no entanto, de que um salto na inflação pressione o saldo devedor, sobretudo nos primeiros anos. Mesmo assim, a princípio, não se estuda criar um mecanismo de ajuste dos contratos para contornar esse problema, com o argumento de que os salários dos trabalhadores costumam ser corrigidos pela inflação.
Para Cano, da FGV, um pico inflacionário provocará “aumento significativo do custo do dinheiro para todos, e a TR também subirá.”
Outra justificativa é que não existe nenhuma trava em outros países com economia estável e que buscam dinheiro no mercado por meio de papéis corrigidos pela inflação.
Colaborou Pollyanna Bretas
Fonte: extra.globo.com